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A construção de uma sociedade comprometida e responsável pelo outro

Vivemos períodos de grande incerteza e grande fragilidade social quando o mundo foi assolado pela pandemia da Covid-19.  A velocidade com que o vírus se espalhou pelo mundo foi chocante. E, no caso brasileiro, a falta de preparo dos líderes colocou-nos em uma realidade jamais vista de grande insegurança e convivendo com o aumento das mortes todos os dias. O Brasil se tornou um grande cemitério!

Pensar neste caminho e seu contexto nos fez refletir se estávamos lidando com vidas ou apenas com números. No meio desta realidade, encontramos também uma grande disparidade: a crise que afetou a economia com o aumento do desemprego e a volta da fome, contrastando com o surgimento de novos bilionários.

No auge da pandemia, o Brasil fracassou no enfrentamento da Covid-19. Infelizmente houve um crescimento do negacionismo frente a crise sanitária que o mundo inteiro enfrentou. Esse contexto nos mostrou o despreparo para lidar com problemas graves, além de não ter conseguido evitar mortes que poderiam ser evitadas, chegando a quatro mil por dia. Em janeiro de 2023, ultrapassamos a maca de 695 mil mortos pela pandemia da Covid-19.

Com este cenário, a incapacidade do governo brasileiro foi o que levou, de fato, ao número alarmante de mortos. A pandemia e os problemas atrelados a ela foram recebidos com indiferença por parcelas significativas da sociedade brasileira, seja pelo negacionismo da doença e da ciência ou por declarações das autoridades que reforçavam a falta de zelo e cuidado com o outro.

Felizmente, ainda encontramos condições de seguir a diante. É preciso se comprometer com o outro. Mesmo com o negacionismo, percebemos que os profissionais da saúde faziam o seu melhor para tentar resolver os problemas e salvar vidas. Torna-se essencial e urgente se fazer ouvir e articular o maior crescimento da consciência humana sobre o que é ser humano. Chorar com os que choram e respeitar a todos e todas que vivem seus lutos. A partir desta concepção que devemos observar na realidade o que temos de bom, como tratar o outro e acolher nos momentos de dor e perda.

Por isso, é preciso compreender a vida humana, tudo que existe merece respeito e tem dignidade de existir. Para tanto é necessário que, à luz da ciência, compreendermos que somos parte de uma grande obra da criação, na qual somos seres e relação. Infelizmente, vivemos em uma sociedade que só visa o lucro. O ser humano se tornou mais uma mercadoria a ser utilizada e descartada. Nossa vida se pauta em comprar ou não, que leva a assumir uma posição econômico-social. As condições atuais, a modernidade e a tecnologia não nos deixam mais ficar isolados do mundo, mesmo em uma pandemia que já fez, milhares de mortos. Por isso, é necessário mudar! É preciso olhar para a forma como tratamos os outros e busca de realizamos uma ética do cuidado, pautada no bem comum e na preocupação com os mais frágeis da sociedade.

Tal contexto nos remete as conjunturas associadas à bioética que tem por objetivo refletir a vida humana e todas as suas realidades, além de se colocar atenta a responder os questionamentos relacionados ao valor da pessoa. Desta forma, também acrescente ao debate a realidade da dignidade da vida, a valorização integral do ser humano, a sadia convivência social, o respeito e o cuidado com todos, sendo assim: o ser humano tem seu valor incondicional, independente de quaisquer outros aspectos.

É preciso, urgentemente, respeitar o outro e, portanto, respeitar a cada indivíduo, atentos à verdadeira conversão da consciência atrelada ao conhecimento científico para pensar o bem do próximo e não apenas o meu próprio bem-estar. É a partir desta concepção que devemos observar na realidade o que temos de bom e como tratar o outro.

Desta forma, a ganancia, o individualismo e a competição desenfreada comprometem a relação do ser humano com o outro. Encontramos uma sociedade imersa no egoísmo, na ambição e no narcisismo. Para tanto é urgente confirmar a convocação a uma ética do cuidado e do zelo pelo próximo, pois, ao se falar de vidas humanas, todos os esforços devem ser colocados em prática para salvar. Por isso é urgente se questionar: Quando o ser humano chegará ao entendimento de que é apenas uma espécie entre bilhões de outras espécies que existem no nosso planeta?

Infelizmente ainda prevalece o interesse econômico das grandes empresas que visam o lucro e colocam em risco a vida humana. Com a atual cultura do descartável, como nos apresenta o Papa Francisco, há uma tendência a tornar a vida humana como “parte do negócio”, algo que se pode barganhar. Estamos diante de um “mercado da morte” no qual o ser humano é um artigo a mais. Uma herança da pandemia foi a crescente realidade da desigualdade social, um grave problema brasileiro.

Destarte a desigualdade social, um dos maiores entraves para o desenvolvimento do Brasil, tornou-se um problema ainda maior com a pandemia. Desta forma, com os efeitos da pandemia da Covid-19 houve um agravamento desse quadro com, por exemplo, o aumento do desemprego, o aumento do trabalho informal e a piora na qualidade do ensino. Os problemas sociais do país e seus desdobramentos são uma herança da pandemia, por isso será essencial priorizar iniciativas de transferência de renda, retomar políticas de combate à fome, investir na educação e ações que ressaltam a dignidade ao ser humano.

Diante deste contexto é inadmissível o descaso dos líderes e responsáveis pela situação da realidade atual, uma vez que, do ponto de vista ético, é inconcebível que o valor moral da vida esteja subordinado ao poder econômico. Infelizmente as vidas se tornaram mercadorias; o ser humano é algo descartável diante do capitalismo que consome tudo e todos. A vida foi reduzida a nada, principalmente em uma visão consumista e antiética de um capitalismo que só visa o lucro e descuida dos direitos humanos. Parece que nos acostumamos com a pandemia e com os milhares de mortos. Esse é um dos piores dos erros que, atrelados ao descaso das autoridades federais com a saúde, têm ceifado vidas e famílias inteiras.

Neste cenário, a sociedade está negando que a vida humana tem um valor intrínseco e sagrado desde o seu começo até o seu fim. Este valor é inalienável e, acima de tudo, a vida humana não pode ser reduzida a um item do mercado. Quando observamos essa realidade é possível vislumbrar um caminho de grandes desafios, mas não podemos perder a esperança de dias melhores. Para tanto, só será possível uma verdadeira mudança quando soubermos compreender as nossas necessidades e agir com consciência e grande discernimento.

Por isso, é preciso a condução do ser humano, sua índole e o zelo pelo próximo. Para tanto, a ciência tem um desempenho imprescindível no critério social, quando esta entende que tem seu lugar na sociedade. É preciso, além disso, observar a consciência do indivíduo diante do debate pautado em uma responsabilidade com o próximo, qual o seu nível de consciência e de formação na construção de uma ética contemporânea. Observar sempre a realidade na busca por espaços de discussão diante dos desafios atuais e o descaso com a saúde pública.

A realidade atual vivenciada por nós é um convite a olhar para esta pandemia como desafio a ser superado. Como caminho para criar esperança e gestar uma realidade nova, novos projetos e outro jeito de viver, mais humano, mais ético e solidário. Sendo assim é preciso observar que a nossa conduta moral seja pautada pelas regras aplicadas no cotidiano e que devem ser respeitadas por cada um.

O Papa Francisco apresenta o desejo de um mundo mais humano e coerente com o Evangelho, sendo ético nas suas ações. Ele assevera sobre a crise que vivemos e que é necessário reafirmar a dignidade do trabalho e do trabalhador todos os dias. “A crise do nosso tempo, que é econômica, social, cultural e espiritual, pode constituir para todos um apelo a redescobrir o valor, a importância e a necessidade do trabalho para dar origem a uma nova ‘normalidade’, em que ninguém seja excluído”, afirma o Papa Francisco na Carta Apostólica Patris Corde.

Na condição de indivíduo – pessoa que se relaciona e que está atenta ao clamor dos mais necessitados -, seria o momento de refletir as palavras de um profeta de nosso tempo que nos deixou recentemente – Dom Pedro Casaldáliga, Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia – que afirmava: No final do meu caminho me dirão: – E tu, viveste? Amaste? E eu, sem dizer nada, abrirei o coração cheio de nomes. Vivemos um período de grandes mudanças, principalmente com as mortes que batem à nossa porta, entretanto é necessário se apegar à esperança de um mundo melhor. Que possamos ser anunciadores da Justiça e da Paz e não propagadores de discursos vazios ou como sepulcros caiados, como Jesus criticava os fariseus.