Um grande desafio para nós que vivemos esse momento da história é o de saber escutar. Vivemos um tempo no qual o barulho que nos rodeia é ensurdecedor. As pessoas falam sobre qualquer coisa, a todo instante, mesmo sem saberem bem do que estão falando. Há microfones abertos por toda parte. Nas TV’s, nas plataformas digitais, nas redes sociais. Lives e podcasts são produzidas incessantemente, sobre os mais diferentes assuntos. As informações ou desinformações chegam de todos os lugares. Em um mesmo ambiente temos, muitas vezes, ao mesmo tempo, vozes que vêm de vários espaços comunicativos, fazendo com que passemos a conviver com um barulho de fundo, um ruido incessante, que nos faz ouvir sem escutar. Oportunidades de silêncio e contemplação se tornam preciosas.
Por essa razão, vivemos um pouco entorpecidos, indiferentes aos clamores que aí estão, aos gritos dos que não suportam mais os esfacelamentos de suas vidas.
Um grande pedido de socorro tem sido emitido pela terra, que agoniza, pelas pessoas sem trabalho que não têm como sobreviver, pelas mulheres que são emudecidas, violentadas e mortas, pelas crianças e jovens que não vêm perspectivas para suas vidas, pelos idosos abandonados e descartados como peças sem valor.
¿Como recuperar, nesta realidade, a capacidade de uma escuta que nos comprometa de verdade com a vida de quem clama por um alento?
Uma boa indicação talvez seja aquela apresentada por Moisés Sbardelotto[1] que, na esteira do Papa Francisco,[2] aponta o “método Emaús” como caminho para uma boa conversação. Esse método consiste em observar as etapas da comunicação realizada por Jesus que, no caminho de Emaús, vai ao encontro de dois dos seus discípulos desanimados. Etapas estas que são: ver, acompanhar, escutar e falar com o coração, para só então fazer os gestos que se mostram significativos e capazes de despertar a brasa que ainda fumegava no íntimo daqueles dois. Esse processo que nasce da escuta atenta e cordial das pessoas permite que elas, por si mesmas, consigam ter a coragem de fazer o caminho necessário à ressignificação da vida.
Quanto à escuta afetuosa e atenta, Sbardelotto nos apresenta a metáfora do esfigmomanômetro, conhecido popularmente como “aparelho para medir pressão”, que nos permite ouvir e sentir o palpitar da vida no coração humano. Essa “medição” em forma de escuta é que nos permite um bom diagnóstico e a possibilidade de oferecer um tratamento significativo em forma de palavras e gestos. Precisamos nos livrar do rumor confuso que nos rodeia e deixar que o coração do outro palpite dentro de nós para que, sentindo suas dores e dificuldades possamos ajudá-lo a seguir em frente corajosamente.
Escutar o outro e escutar a nós mesmos talvez seja a sabedoria que precisamos adquirir hoje. Uma escuta atenta e disponível, sem preconceitos, sem julgamentos, revestida de proximidade, compaixão e ternura. Somente escutando e aceitando nossas feridas estaremos disponíveis para compreender e acolher as feridas dos outros e o clamor da vida que pulsa e nos convoca a cada momento.
Quando, através da escuta sensível, nos deparamos com as muitas feridas presentes nos outros, e em nós também, precisamos ativar nossas três inteligências: a da mente, a do coração e a das mãos, que no fundo significa mobilizar nossa capacidade de pensar, de amar e de acariciar. [3]
A carícia, em tempos de mãos agressivas, tem sido muito desleixada. Mas, quando a escuta é afetuosa, ela mobiliza nosso amor e nossas mãos na direção das nossas próprias chagas e na direção das chagas alheias, para que tocando-as afetuosamente e com o cuidado necessário, possamos diminuir seus efeitos dolorosos e indesejáveis.
Que possamos, nesse tempo confuso, silenciar os rumores que nos dispersam e colocar nossos ouvidos à escuta do clamor da vida para que ela ganhe sentido e plenitude.
—
[1] SBARDELOTTO, M. Comunicatio Cordis: a relação como condição de possibilidade para a vida. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/628831-communicatio-cordis-a-relacao-como-condicao-de-possibilidade-para-a-vida
[2] FRANCISCO, PAPA. Mensagem para o LVII Dia Mundial das Comunicações. Disponível em:https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/20230124-messaggio-comunicazioni-sociali.html
[3] FRANCISCO, PAPA. Discurso aos reitores, professores, estudantes e funcionários das universidades e instituições pontifícias romanas. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2023/february/documents/20230225-univ-pontificieromane.html