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Grito da Terra, Grito dos Pobres

Estamos vivendo um momento crucial para a sobrevivência da humanidade. A presença das guerras, que resultam em pobreza, destruição e mortes e que ainda trazem a possibilidade de uma destruição global, pelo uso de arsenal atômico, nos assustam. As intolerâncias e ódios, produzidos pelas polarizações e preconceitos, que geram violências e ferem pessoas, nos amedrontam. Vivemos tempos de banalização do mal, com indiferenças e descasos pelo outro muito preocupantes. No entanto, há uma situação ainda mais trágica que há muito preocupa teólogos e ativistas éticos: a degradação ambiental. Cientistas do clima e ecologistas responsáveis têm falado incansavelmente às pessoas, aos Estados e Países sobre a situação alarmante da degradação irreversível do planeta. Têm também demonstrado, a partir das catástrofes climáticas, o sofrimento da terra e as consequências que já podem ser percebidas, mas, parece que as pessoas ainda não acordaram para a gravidade da situação.

No Brasil ressalto a importância da reflexão de Leonardo Boff, com inúmeras participações internacionais em eventos sobre questões ecológicas e incontáveis artigos e livros escritos sobre o assunto. Ele nos traz a noção de ecologia integral na sua obra Ética da Vida. [1]Destaco ainda o livro: Cuidar da terra, proteger a vida. Como evitar o fim do mundo. Nessa obra ele diz que “estamos no coração de uma fenomenal crise planetária que afeta todas as culturas e todos os povos”. Aqui ele traz a crise social mundial, as mudanças climáticas e a insustentabilidade do sistema-Terra, causadas por um consumo altamente predatório.  Diz ainda que essa crise “pode significar um salto rumo a um estado superior de hominização, bem como uma tragédia devastadora para toda a espécie.” [2] Em 1992, no Brasil, ele se fez ativamente presente na Eco-92, uma das principais conferências internacionais sobre o meio ambiente, organizada pela ONU, da qual participaram 197 países. No centro das discussões estava a noção de desenvolvimento sustentável, conceito considerado inovador para a época. Da Conferência surgiu a Agenda 21, com um programa de ações ambientais que tinha como objetivo a promoção do chamado desenvolvimento sustentável.

Podemos também dizer, com Moacir Gadotti, hoje presidente de honra do Instituto Paulo Freire, que “O Brasil é o berço da Carta da Terra”.  Vejamos o que ele diz:

Em 1987, uma Comissão das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento recomendou a redação de uma nova Carta sobre o desenvolvimento sustentável, mas foi só no evento paralelo da Cúpula da Terra (ECO-92), chamado de “Fórum Global”, realizado no Rio de Janeiro, em 1992, que foi redigida a primeira versão da Carta da Terra, ao lado de um conjunto de documentos chamados de “Tratados” das ONGs.[3]

Mas, ainda que tenha sido apresentado na Eco-92, a Carta da Terra foi somente ratificada e assumida pela Unesco no ano 2000 no Palácio da Paz em Haia, Holanda, com a adesão de mais de quatro mil e quinhentas organizações do mundo, incluindo o Brasil. Ela é, portanto, uma declaração internacional e pode ser considerada como uma inspiração para a busca de uma sociedade em que todos sejam responsáveis por ações de paz, respeito e igualdade. Ela almeja pelo bem-estar mundial ao tratar de temas éticos de grande importância para todos, no tempo em que vivemos. Consideramos que, vinte e dois anos depois, a Carta da Terra ainda é um importante instrumento de educação que não deve ser esquecido.

Muitas outras vozes se somam aqui no Brasil na defesa ambiental e na busca de sustentabilidade para a terra e para a vida humana.

Destacamos os povos originários, vítimas de genocídios indesculpáveis, mas que ainda lutam pelo bem do planeta. Ailton Krenak, um líder indígena nascido no Brasil, em uma região profundamente afetada pela atividade extrativista, critica a ideia de uma humanidade que não se considera parte da natureza. Ele escreveu um pequeno livro, porém grande na sua reflexão, intitulado: Ideias para adiar o fim do mundo, onde ele diz:

Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido de experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar.  E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. [4]

Davi Kopenawa, um xamã yanomami, nascido na floresta, no norte do estado do Amazonas, defensor dos povos autóctones das Américas, em um livro de sua autoria, juntamente com o antropólogo francês Bruce Albert, intitulado A queda do céu, nos dirige essas palavras:

A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar de calor. A terra ressecada ficará vazia e silenciosa […]. Então morreremos um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivos para sustentar o céu, ele vai desabar.” [5]

Juntamente com os povos originários, que lutam pela preservação das florestas, temos a jornalista Eliane Brum que, nascida no sul do Brasil, se muda para a cidade de Altamira, no Pará, lugar que ela chama de ‘centro do mundo’. Nessa cidade ela se envolve com a luta pela preservação da floresta e da vida dos povos que ali residem através de uma investigação jornalística que denuncia a escalada de devastação que leva a floresta aceleradamente ao ponto de não retorno. Reflete e nos mobiliza internamente para o reconhecimento das ações das minorias dominantes e predatórias que colaboram para o colapso climático e para extinção em massa de muitas espécies e também para a matança de humanos. A Amazônia é chão regado pelo sangue de muitos mártires. Ouçamos um depoimento aterrador de Eliane Brum:

Ao longo da minha vida de repórter, vi muitas crianças com olhos de velho. Já escrevi sobre elas. São crianças que convivem com a morte todos os dias, são crianças que temem morrer e que correm o risco real de morrer a qualquer momento […]. Quando encontramos crianças com olhos de velho sabemos que um crime foi cometido, porque crianças não podem ter olhos de velho. [6]

Enfim, o que quisemos provocar, com esse pequeno artigo, é que as pessoas possam abrir os ouvidos para escutar o grito dos pobres, tradição ética latino-americana, mas que também se inquietem com o grito da Terra, mãe pobre de filhos empobrecidos e também de filhos embrutecidos pela ganância que fabrica pobres, cada vez mais pobres e sofridos. Como nos recorda o Papa Francisco, não podemos nos fazer de distraídos!

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[1] BOFF, Leonardo. Ética da vida. Brasília: Letraviva, 1999, p. 31

[2] BOFF, Leonardo. Cuidar da terra, proteger a vida. Como evitar o fim do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 11. 12. 17.

[3] GADOTTI, Moacir A Carta da Terra no Brasil.  Disponível em: https://earthcharter.org/wp-content/assets/virtual-library2/images/uploads/A%20Carta%20da%20Terra%20no%20Brasil.pdf. Acesso: set. 2022.

[4] KRENAK. Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 26-27.

[5] KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. Palavras de um xamã yanomami. 11ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras. 2015, p. 6.

[6] BRUM, Eliane. Banzeiro Òkòtó. Uma viagem à Amazônia centro do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 222.